O Cristiano Radtke esteve lá e viu o show do Fonda Theatre. Abaixo temos o relato que eles escreveu para Stones Planet Brazil na época.

Fotos: Kevin Mazur/Getty Images

Por Cristiano Radtke, de Los Angeles
Quando decidi viajar para os Estados Unidos para acompanhar os Stones em sua Zip Code Tour, eu tinha duas possibilidades: ir para Orlando com os amigos de Stones Planet Brazil e do 40×5 Tributo Bar, de Buenos Aires, ou tentar acompanhar a banda em Los Angeles, para os ensaios e posteriormente seu primeiro show em San Diego.

À medida em que o tempo ia passando, os rumores sobre um show “secreto” (o que é sempre esperado a cada início de tour) foram tomando forma e isso foi decisivo para que eu batesse o martelo e resolvesse pela segunda opção.
Passaram-se várias semanas em que eu ia pesando bem a situação, sem ter certeza de que poderia realmente ir, até que decidi que essa era a coisa certa a se fazer. Depois do show de ontem à noite, vejo que essa foi realmente a melhor opção.
Após vários dias na cidade, colhendo informações, indo até o estúdio onde a banda ensaiava (sem poder ver nada, infelizmente), fui duas vezes até o Teatro Fonda, local que supostamente abrigaria esse show.
Na terça, dia anterior ao show, estava lá junto com outros 30 fãs que procuravam o mesmo que eu,  mas em questão de 30 minutos fomos surpreendidos com a chegada de guardas civis de Los Angeles, que de uma forma dura mas respeitosa mandaram que saíssemos dali: “não tem nada acontecendo aqui, vão embora”. Tentamos argumentar com eles, mas não obtivemos sucesso.
Com a experiência adquirida após anos acompanhando a banda, aprendi a não desistir facilmente, então saí do local mas permaneci nas redondezas, pois havia a informação de que os Stones poderiam fazer uma passagem de som no teatro. Voltei e fiquei na área por um bom tempo, enquanto os seguranças do teatro me olhavam, ora receosos, ora espantados pelo fato de ainda estar ali.
À medida em que o tempo foi passando e a noite foi chegando, resolvi entrar no bar ao lado do teatro, onde passei 3 horas tentando conseguir alguma informação. Conversando com uma das garçonetes, fico sabendo que o teatro abriria suas portas às 18h30 da quarta, dia do show. Pergunto se ela tem mais alguma informação, mas mais do que isso ela não podia me falar. Como vi um dos seguranças do teatro entrando no bar por uma porta dos fundos, presumi que haveria alguma entrada que dava acesso ao teatro, internamente pelo bar. “Tem, mas ela está sempre fechada”, me responde a garçonete. O bar abriria na quarta-feira (dia do show) às 16h, e pergunto a ela: “se eu vier aqui às 16h, posso ficar no bar durante o show, caso eu não consiga ingresso, e tentar ouvir alguma coisa por essa porta?” Ela ri e não me fala nada. Se não conseguisse um ingresso, estava determinado a voltar lá no dia seguinte e fazer exatamente isso, mesmo que não pudesse ver nada.
Permaneço no bar e por volta das 22h vejo uma figura conhecida saindo do interior do teatro: Pierre de Beauport, técnico que trabalha há anos com os Stones. Já era o indício que garantia que o show “secreto” seria ali, mas como conseguir um ingresso?
Voltei para o hostel depois da meia noite e com várias ideias na cabeça,  mas tinha 100% de certeza de que estaria nesse show, custasse o que custasse. Afinal de contas, foi por isso que viajei para Los Angeles.
Depois de várias horas de dúvida, apreensão e tensão, eis que surge uma luz no fim do túnel: a inestimável ajuda de meu grande amigo Juan Ignácio, do 40×5 Tributo Bar e We Love You Fan Club faz com que o que eu mais sonhava se realizasse. Consigo um ingresso e a partir daí é difícil colocar em palavras tudo o que senti, horas antes de o show começar. Não conseguia acreditar que poderia ver os Stones como sempre quis, em um local pequeno e a poucos metros (não mais do que 3) da maior banda de todos os tempos.

Com o ingresso em mãos vou ao Fonda Theatre, local com capacidade para 1.200 pessoas, mas que nessa noite especial, por causa das filmagens, só pode comportar em torno de 700 pessoas. Destas, 300 eram convidadas da banda e incluíam celebridades como Jack Nicholson, Bruce Springsteen e várias outras, alem de familiares como Patti Hansen, Georgia e Karis Jagger. Os fãs ficaram posicionados na parte inferior, em frente ao palco, enquanto os convidados se instalaram no mezanino do teatro. Lá chegando, fiquei muito próximo do palco, observando toda a movimentação dos técnicos e equipe da banda, ansioso pelo começo do show, marcado para as 20h.
Aproximadamente trinta minutos depois da hora prevista, um dos encarregados pela realização do show sobe ao palco e informa aos presentes que uma filmagem será feita, e pede para que o público não tire fotos ou vídeos (mesmo havendo restrição à entrada com celulares) pois o importante é a equipe filmar o público, e não o contrário. Felizmente o pedido é atendido, e minutos depois vem o anúncio: “ladies and gentlemen, on their first US concert for the Zip Code Tour, The Rolling Stones!”.
A banda sobe ao palco em meio à ovação geral e começa direto com Start me Up. É uma música mais do que batida, nunca fica fora do setlist, mas foi um bom aquecimento para o que estava por vir. Em seguida, Mick pega a guitarra e a banda começa a tocar When the Whip Comes Down, seguida por uma fantástica versão de All Down the Line, com um excelente trabalho de sopros por Karl Denson (saxofonista integrado aos Stones desde os shows na Austrália, no ano passado) e Tim Ries.
Após a trinca inicial, Mick anuncia o momento mais esperado por todos: “vamos fazer agora algo que nunca fizemos. Estamos relançando o disco Sticky Fingers e vamos tocá-lo na íntegra, mas na ordem do 8-track (cartuchos semelhantes a uma fita cassete, formato popular nos anos 60 e 70). Ano que vem deveremos fazer o mesmo com o Satanic Majesties”, brincou. E a partir daí o que se seguiu é fantástico demais para não ser contado.
A banda começa com Sway (ao contrário do que se poderia imaginar, o disco não foi tocado na ordem exata), em uma versão absolutamente matadora. Vejo fãs às lágrimas e não me contenho. Na plateia, ao meu lado, fãs de várias partes do mundo (Letônia, Alemanha, Inglaterra), e algumas caras que já me eram conhecidas: o norueguês Bjornulf Vik, do fórum de fãs IORR, que sorri ao me ver no teatro, e o incomparável Matt Lee, um dos maiores colecionadores de material ligado à banda e que se dispôs a me ajudar para conseguir um ingresso, estão entre os presentes.
À medida em que o show prossegue, as músicas do disco Sticky Fingers são tocadas de uma maneira que jamais imaginei ver ao vivo.


“Agora vamos tocar uma reeeeealmente lenta”, anuncia Mick, e começa I Got the Blues. Para dar aos leitores a exata noção de como a banda se movia no palco durante esta música, a única comparação possível é o vídeo de Love in Vain, do filme Gimme Shelter. Mick e toda a banda se movem de um jeito lentíssimo, praticamente em câmera lenta, mas com uma diferença: estamos em frente a eles, vendo isso ao vivo!
Chuck Leavell, um monstro nos teclados, faz um solo de arrepiar, muito semelhante ao solo original tocado por Billy Preston.
Pra mim, essa talvez tenha sido a melhor música da noite, em todos os quesitos.
Can’t You Hear me Knocking foi um caso à parte. Acostumados que fomos a ver Mick Taylor dividindo os holofotes durante as execuções ao vivo, desta vez ele não está lá, mas Ronnie cumpre muito bem esse papel. Nessa música, Bernard toca (muito bem) bongôs, assumindo o lugar de Rocky Dijon, que participou da gravação original, e pela primeira vez na noite podemos perceber que os Stones têm em Karl Denson um substituto à altura do grande Bobby Keys, tocando – ao centro do palco – um solo fantástico e duelando ao final com Ronnie, deixando a platéia embasbacada.
“Vamos tocar agora um blues rural composto por Mississippi Fred McDowell. Keith a gravou com um violão de 12 cordas e vai tocar com um agora. You Gotta Move”, anuncia Mick, e Keith se senta em uma cadeira. Impossível não ouvir essa música sem lembrar, novamente, do filme Gimme Shelter, em cuja turnê os Stones incluíram essa música, mas aqui vai outra diferença: não ouvi um violão tão bem tocado por Keith como nessa noite, e nessa música. Já nos primeiros acordes, um arrepio passa por minha espinha, e aí é que Keith mostra ser o bluesman que sempre foi.
Lisa e Bernard (excelentes em seus vocais), dão apoio a Mick e, quando a música termina, Mick chama o público para cantar junto, retomando a música de um jeito parecido com a versão do disco Love You Live.
Moonlight Mile é outra música que leva os fãs as lágrimas, e ao final os Stones encerram a primeira parte do show com a música que abre o disco: Brown Sugar, velho cavalo de batalha que serve, mais uma vez, para mostrar que Karl Denson – que não pode de nenhuma forma ser comparado a Bobby, claro – não está na banda por acaso.
Encerrada a primeira parte, a banda sai e a equipe monta uma extensão no meio do palco, o que nos deixa ainda mais próximos da banda, que retorna minutos depois para o bis.
“Perdemos recentemente um grande amigo e músico, então queremos prestar este tributo ao grande B.B.King. Vamos tocar Rock me Baby”, anuncia Mick, e a partir daí o Fonda assume os ares de um clube de blues.
Jumpin’ Jack Flash segue, e ao final Mick diz querer encerrar com um número rápido e dançante: I Can’t Turn You Loose bota todos os presentes no Fonda pra dançar e encerra de maneira mais do que perfeita essa noite que vai ficar na história. “Obrigado por virem, nos vemos em San Diego”, se despede Mick, antes de reunir toda a banda para os cumprimentos finais.
Terminada a apresentação, a sensação é de uma alegria coletiva entre os fãs, que se olham estupefatos sem conseguir se dar conta do que viram nessa noite. Saio do teatro junto com dois casais com quem fiz amizade nessa noite, um da Alemanha e outro da Letônia, e passamos horas conversando sobre o que vimos, ainda estarrecidos por termos tido a grata oportunidade de ter presenciado esse momento histórico.
Durante o show, me transportei mentalmente para 1962/1963, quando os Stones faziam shows em clubes pequenos no começo da carreira, como o Marquee e o Crawdaddy.
Vão se passar muitos anos, e quem estava lá jamais vai esquecer o que viu e sentiu.
E no meu caso, devo dizer publicamente que tenho uma dívida de gratidão eterna a meu amigo Juan Ignácio, sem o qual, com toda a ajuda e empenho dispendidos, jamais poderia estar aqui contando para vocês o que aconteceu. Esta realização é um sonho não apenas pessoal, mas representa todo o carinho que o povo sul-americano tem por essa banda.
Um agradecimento especial também a todos os parentes e amigos que me deram todo o apoio possível nessa empreitada, e sem o qual eu não poderia ter feito o que fiz, em especial a meu amigo André, que desde o começo não apenas me incentivou como também não mediu esforços para me ajudar na medida do possível.