A edição de hoje do respeitado jornal The Times relembra os 50 anos de um editorial histórico que ajudou não apenas os Stones a se livrarem da cadeia em 1967, mas também ajudou a alterar a lei criminal relativa a entorpecentes na Inglaterra.
O editorial, intitulado “Who breaks a butterfly on a wheel?” (quem impede uma borboleta de voar?, em tradução livre) e de autoria de William Rees-Moog, na época o mais importante e influente jornalista inglês, criticava as sentenças aplicadas a Keith e a Mick em seu julgamento por drogas, que fora iniciado em maio, após uma batida policial na casa de Keith em Redlands ocorrida em fevereiro daquele ano, após uma “dica” do jornal News of the World, que foi acusado de colaborar para a batida em busca de manchetes sensacionalistas sobre o caso.
A matéria do Times traz também uma recente entrevista com Mick, em que ele relembra o caso. “O que (o editorial) significou pra mim? Ele me livrou da cadeia. Assim que foi publicado, fui libertado”, diz Mick.
Festa entre amigos ou orgia?
Embora a festa na casa de Keith tenha sido vista como uma orgia regada a drogas com o passar dos anos, Mick tem outra visão sobre o caso: “era apenas uma festa comum, sabe como é. Estávamos apenas aproveitando o final de semana e quando voltamos estávamos conversando e assistindo TV. É claro que a imprensa queria sensacionalismo, para fazer parecer como se estivesse rolando uma orgia”.
Para Mick, o momento em que os policiais chegaram à casa de Keith para dar a batida foi um momento surreal. “Um monte de gente curtindo um dia normal em uma bela casa de campo inglesa sem causar problema a ninguém, e do nada aparecem 20 policiais”.
Indiciamentos
Jagger foi indiciado por porte de anfetaminas e Robert Fraser (marchand amigo da banda e que estava presente em Redlands) por porte de heroína.
Keith foi indiciado por permitir o uso de maconha em sua casa, e Mick ainda se mostra atônito pela pequenez da denúncia: “você poderia ser preso se alguém fumasse em sua casa mesmo se você não estivesse fazendo nada para prejudicar outra pessoa”.
Para Mick, a atitude de Keith durante o julgamento, confrontando o juiz da causa, foi um dos motivos para o endurecimento da justiça em relação a eles pelo fato de os Stones terem se tornado um exemplo perigoso para a sociedade.
Condenações
Ao final, Mick foi condenado a 3 meses de prisão e multa de 100 libras (660 libras, em valores de hoje) e Keith foi multado em 500 libras e um ano de prisão. Apesar de apelarem, Mick foi mandado para a prisão em Brixton e Keith para a de Wormwood Scrubs, e aí é que entra o editorial do Times.
Para o editor do jornal, Mick foi punido excessivamente não pelo que fez mas por ser quem era e o que representava.
Sobre a prisão, Mick diz que “não era legal em Brixton, claro, não recomendaria”. Na época ele estava apavorado por saber da possibilidade de ser preso por três meses. “Isso era fato. Não estava tão certo disso que cheguei a pensar ‘jamais me prenderão’, mas foi exatamente o contrário”.
Influência do Jornal The Times
Analisando toda a situação hoje, Mick acredita que sua soltura e a resolução do caso têm influência direta do editorial de Rees-Moog e a influência do Times.
“Há que se reconhecer a influência daquele editorial. Não há equivalente hoje – você seria massacrado nas redes sociais, mas naquela época o Times tinha um impacto tão grande que fazia as pessoas dizerem ‘OK, isto é algo que a imprensa conservadora está dizendo’. Rees-Moog estava realmente apontando a histeria do resto da imprensa e do sistema judiciário em geral e dizendo ‘ora, esta não é a maneira inglesa de se jogar de maneira justa’.
Apoio dos colegas do The Who
Durante o calvário que foi seu julgamento, os Stones tiveram o apoio da comunidade intelectual inglesa em geral, incluindo seus colegas do Who, que lançaram às pressas um compacto simples com suas versões de The Last Time e Under My Thumb, gravadas no dia 28 de junho de 1967 e lançadas dois dias depois.
A intenção do Who era gravar e lançar quantas canções dos Stones fossem possíveis enquanto Keith e Mick estavam presos, mas sua soltura no mesmo dia do lançamento desse compacto fez com que isso não fosse necessário.
“Havia toda uma mudança na sociedade de maneira geral, não apenas nas artes mas na filosofia, em tudo, comportamental inclusive. E foi muito rápido: as pessoas tanto adoravam essa mudança e poderiam pensar que era como nos anos 20 quanto poderiam achar que era a pior coisa que poderia ter acontecido na Inglaterra e não entendiam isso”.
O editorial do Times originou uma página inteira de cartas dos leitores, divididos entre os apoiadores de Mick e furiosos oponentes.
Final bizarro
Toda a saga teve um final bizarro no dia da soltura de Mick, que revelou o conflito de gerações existente. Mick concordou em ser levado de helicóptero para a casa do representante do condado de Essex, onde foi entrevistado por um bispo, um líder jesuíta, um ex-procurador geral e o editor do Times.
A filmagem (disponível no YouTube) é hilária. Mick parece um ser de outro planeta, o que de fato ele parecia ser para a sociedade da época.
“Foi meio louco, na verdade”, diz Mick “e impossível satirizar isso. Por que eu estava fazendo aquilo. Foi no dia em que saí da cadeia, e estava completamente desesperançado naquele programa”.
É claro que ainda temos enormes problemas com drogas e não apareceram ainda soluções. Não é algo que você queira fazer todo o tempo, eu diria”. E o que Mick diz a seus próprios filhos? “depende de qual deles”.
Sobre o editor Rees-Moog, Mick diz que “ele tinha um certo princípio moral (conservador). Ele não concordaria com você, mas ele tinha suas opiniões e elas eram influentes. Quando eu o encontrei ele foi muito interessante, tipo do cara conservador e um pouco estranho naquele jeito inglês, não muito fácil de se conversar logo que se conhece mas muito caloroso após isso”.
Em 31 de julho de 1967 a condenação de Keith foi anulada em instância superior e Mick obteve liberdade condicional. Como agradecimento a todo o apoio recebido, foi lançado o compacto com “We Love You”, para o qual também foi filmado um vídeo promocional, zombando com o sistema judiciário inglês.
No final, é por isso que aquele editorial tem tanta importância, ainda hoje: o sistema se adaptou à cultura jovem, os opostos se reconciliaram e velhos e jovens se aliaram, ao menos por um momento. Até então, a maioria da mídia havia pintado os Stones – e Mick em particular – com cores diabólicas.
O Times refletiu a mudança dos tempos ao mostrar empatia pelo demônio.
Cronologia
12 de fevereiro: batida policial na casa de Keith (Redlands), onde Mick, Marianne Faithfull, Robert Fraser, Michael Cooper, entre outros, haviam se reunido para um final de semana no campo. George Harrison e Patti Boyd também estavam mas saíram antes da polícia chegar.
10 de maio: Keith, Mick e Robert Fraser comparecem à justiça em Chichester, sendo liberados sob fiança. No mesmo dia, após uma batida no apartamento de Brian Jones, onde a polícia encontra drogas em grande quantidade, Brian e seu amigo Stash de Rola são indiciados;
27 de junho: inicia-se o julgamento de Mick perante o tribunal de Chichester, West Sussex; o julgamento de Keith começa no dia seguinte;
29 de junho: Keith e Mick são julgados e condenados: três meses de prisão e multa de 100 libras para Mick por posse de anfetaminas e um ano de prisão e multa de 500 libras para Keith por permitir que sua casa fosse utilizada para consumo de drogas;
30 de junho: após passarem uma noite na cadeia, Keith e Mick são liberados sob fiança para aguardar em liberdade o julgamento de suas apelações;
1.º de julho: o Times publica editorial de autoria de William Rees-Moog que condenava a severidade das sentenças impostas a Keith e a Mick;
31 de julho: a sentença de Keith é anulada e a condenação de Mick é convertida em liberdade condicional.
Notas:
*Texto Adaptado da matéria do jornal The Times.
**Fontes adicionais utilizadas para consulta:
– Encurralados: os Rolling Stones no banco dos réus
Simon Wells, ed. Madras, 2012
– The Rolling Stones: Gravações comentadas e discografia completa
Alan Clayson, ed. Larousse, 2009
– According to the Rolling Stones: a banda conta sua história
ed. Cosac Naify, 2011
– Life, Keith Richards
Little, Brown & Company, 2011
– Many Years From Now – Paul McCartney: Uma biografia
Barry Miles, ed. DBA Artes Gráficas, 1999
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