Os Rolling Stones estavam finalizando a No Filter Tour de 2019. Depois de vê-los em Chicago, fiquei fortemente tentado a rumar para Miami. Cheguei a orçar a viagem e estar a um clique de ir para a Flórida. Mas alguma coisa me dizia para esperar. Eu não devia gastar toda a minha munição. No mês passado, Ronnie Wood confirmou que faria show no dia 20 de novembro no Shepherd´s Bush Empire, em Londres.
Nesta altura, eu tinha a informação de que Ronnie faria pelo menos mais uma apresentação para promover seu novo álbum, Mad Lad, que presta tributo a Chuck Berry. Havia pouco tempo para organizar a viagem. Então, não pude esperar pela data. Como manda a cautela, programei a chegada a Londres para o dia 18. Com isso, em caso de confirmação da gig extra, eu estaria na capital britânica.
Era necessário ter ao menos uns 4 ou 5 dias na Inglaterra, porque eu sabia que esse show seria pequeno e que talvez recebesse apenas convidados. O show do Shepherd´s Bush Empire teve todos os seus 2mil bilhetes vendidos em menos de um minuto. Era impossível conseguir entrada.
Nesta altura eu já tinha garantido o bilhete com um amigo de anos, o britânico Matt Lee, que é o maior colecionador de Stones no mundo e que sempre está envolvido diretamente em tudo que seja relacionado a Woody.
Eu estava prevenido quando Ronnie confirmou o segundo concerto. Não faria sentido fazer só um show. E a gig acabou sendo marcada para a All Saints Church, em Kingston, a cerca de 45min de trem do centro de Londres. A igreja tem capacidade para não mais do que 250 pessoas. Logo, os ingressos se esgotaram em segundos.
Matt foi novamente o salvador da pátria. E nesses momentos é que nos damos conta de como é bom ter amigos.
Eu cheguei em Londres no dia 18, segunda-feira. No dia 20, data do concerto de Kingston, fui ao apartamento de Matt para visitá-lo e pegar meus tickets. Vários outros fãs fizeram a mesma coisa.
Com os tickets nas mãos depois de tomar um autêntico chá britânico, me toquei para Kingston. Combinei de me encontrar com grandes amigos catalães, Jordi Güell e sua esposa Conchi. Comemos um hambúrguer e às 15h30 eu estava na porta da All Saints Church. Eu e as duas centenas de “convidados” quase congelamos. A temperatura devia estar perto de 1°C.
Sacerdote do rock and roll
Enfim as portas foram abertas em torno das 20h (não recordo bem). Havia um pequeno palco montado, sistema de som e luzes. Sally Wood deu uma caminhada pela igreja, mas logo voltou para o backstage. Era meio estranho, confesso. Um show de rock and roll numa igreja?
Ben Waters começou os trabalhos tocando três temas de Chuck Berry. Até que o pianista anunciou Ronnie. O Stone apareceu no púlpito da igreja tocando Sweet Little Sixteen. Ronnie usava um microfone com fones de ouvido, liberando suas mãos para tocar e se mover.
Era extremamente curioso. Ronnie Wood, um dos maiores doidões do rock, cantando Chuck Berry onde o padre reza a missa. E a partir dali foi um clássico atrás do outro. Johnny B Goode, Memphis Tennessee, Carol, Wee Wee Hours, Talking About You entre outras.
O clima foi de ensaio. Ronnie brincou com o público o tempo todo, fez piadas. Quando sua roadie, Ana, entregou a ele uma nova guitarra, o pai das gêmeas Alice e Gracie tirou uma onda. “Eu não faço a menor ideia que música vamos tocar a seguir. É primeiro show, ainda estamos nos acertando”. Logo depois ele brincou que sua guitarra também é de 1947 e que eles têm a mesma idade.
Ronnie sabia que estava tocando para a sua “família”, que todos estariam ao seu lado. Ali não havia fãs mais ou menos, mas sim gente de todos os cantos do mundo que estava lá apenas para vê-lo. Então, Ronnie fez um show descontraído.
Ben Waters foi figura relevante no show. Ronnie disse que Waters era como um novo Johnnie Johnson ao piano. A cantora Imelda May foi fabulosa, com uma interpretação vibrante e interessada. Imelda estava adorando aquilo tudo, estava se divertindo.
Único guitarrista no palco, Ronnie fez versões rústicas, diretas, exatamente como Chuck Berry tocava. Os timbres das guitarras de Woody eram secos, rasgados.
Eu não sabia nem o que pensar. Só imaginava o quão felizardo eu era de poder estar entre as 250 pessoas que puderam assistir a Ronnie tocar Chuck Berry numa pequena ingreja no subúrbio de Londres.
Ensaiando com Ronnie Wood
A segunda noite, dia 21 de novembro (quinta-feira), foi reservada para o Shepherd´s Bush Empire. Cheguei ao teatro pelas 14h30. Eu tinha tickets que davam acesso a parte da passagem de som de Ronnie. Os mesmos amigos de sempre estavam lá de novo. Quando nos deixaram entrar, Ronnie vestia uma camisa branca e estava com a guitarra em punho tocando riffs de Chuck Berry.
Imelda May e o resto da banda o acompanhavam. Eles conversavam entre si fazendo combinações sobre o andamento das canções, como deixas, tempos, contagens, etc.
Ronnie foi muito simpático. Chegou bem perto da gente, numa distância de meio metro. Fez algumas piadas e mostrou estar muito bem disposto. Antes de ir para o backstage, Ronnie colocou um casaco. Disse que estava com frio e que não podia ficar doente, que tinha um show para fazer.
Acho que ele ficou uns 20 minutos com a gente até desperdir-se dizendo que voltaria em seguida.
Não é todo dia que você fica a 2 ou 3 metros de um Rolling Stone passando o som e dizendo bobagens com outros músicos, dançando e pulando na sua frente.
Depois que Ronnie saiu, os organizadores quiseram nos retirar do lugar. Mas obviamente as menos de 100 pessoas que entraram para a passagem de som já tinham determinado seus lugares e ninguém aceitava recuar. Foram alguns minutos de idas e vindas até que nos permitiram ficar. Estrategicamente me posicionei atrás da norte-americana Gail Hoffman. Eu disse a ela que se seria seu guarda-costas. Gail tem 1.5om de altura, então, eu tinha a visão do palco absolutamente sem obstáculos.
Shepherd´s Bush on fire
Como o Shepherds´s Bush não tem púlpito, Ronnie começou o show tocando sentado em um banquinho que ele levou ao limite do palco. Ronnie cantava Sweet Little Sixteen a cerca de um metro de mim.
A apresetanção foi descomunal. Muito emocionante para quem é fã do cara. Ronnie estava alegre, de bem com a vida, cantou, dançou, brincou, fez piada… foi um showman. Nós todos estávamos hipnotizados. O público foi convidado a participar cantando em várias ocasiões.
Imelda May e Ben Waters foram de novo fantásticos. Desta vez também houve participação da cantora Lulu, que deu conta do recado. Jack Broadbent fez o show de abertura e depois acabou convidado para voltar ao palco com Lulu e Imelda para um animado fim de festa com artistas e público cantando juntos Bye Bye Johnny e Johnny B Goode.
Encerrado o show, houve a tradicional confraternização entre os fãs. Muitos abraços, emoção e uma certeza. Vamos todos nos ver de novo, de novo e de novo. E nenhum de nós vai parar. Somos privilegiados, pois seguimos a maior banda do mundo e enquanto Mick, Keith, Charlie e Ronnie estiverem ativos, nós também estaremos.
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