Brizolista inabalável, dona Moema nasceu em 19/09/1932 dentro de uma carroça no interior de Camaquã-RS (verdade ou lenda, ficamos com a versão mais lúdica). Rebelde desde jovem, ela agitava a vida rural gaúcha dos anos 1930, que era dividida entre Chimangos e Maragatos.
Filha da dona Aldacina e do seu Lauro, a Moema teve 5 irmãos: Odete, Carminha, Zeca, Victor e Amaury. As irmãs sempre foram cúmplices das peraltices de adolescente, mesmo quando elas já eram responsáveis senhoras. E essas gurias aprontavam!
Contar anedotas das festas e da vida em Camaquã estavam entre as coisas que dona Moema mais gostava de fazer. Falava dos bailes e das aventuras com as amigas. Ela lembrava de tudo com detalhes.
Quando seu Lauro morreu, ainda muito jovem, deixou dona Adalcina com seis filhos e terras (arroz e gado) para cuidar. Mesmo assim, ela foi a primeira mulher vereadora de Camaquã e virou nome de rua.
O destino acabou trazendo a família para Porto Alegre, onde dona Moema morou com a mãe (minha avó) e de quem cuidou dedicadamente até a morte dela no final dos anos 1960. Foram dias difíceis, às vezes com três empregos para poder manter a casa.
Logo depois disso, dona Moema conheceu meu pai, seu Flávio. Ambos eram funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e trabalhavam na Agência Central de Porto Alegre.
Em 03 de junho de 1971 eu nasci para meter terror de vez vida deles.
Com a Ditadura militar a pleno vapor, dona Moema não teria refresco. Brizolista, funcionária pública e assessora de deputado federal do MDB, ela logo foi colocada em disponibilidade, assim como o pai, tendo seus pagamentos suspensos. Dias ainda mais duros.
Depois de muito esforço e com o fim dos tempos de totalitarismo, ela conseguiu ser reclassificada para o Ministério da Fazenda, onde se aposentou em condições financeiras bem mais dignas.
Dona Moema ficou viúva em 10 de fevereiro de 1989, quando seu Flávio teve problemas cardíacos.
Com isso, restaram eu ela na casa. E assim foi durante muitos anos. Na verdade, a minha vida nunca teve separação da vida da mãe. Tudo sempre foi misturado.
Como filho da dona Moema, herdei a rebeldia dela e isso sempre nos deixou em zona de conflito. Mas éramos apenas nós dois e atravessamos vários dias duros. Tivemos sempre todo amparo especialmente da minha madrinha Odete e da tia Carminha (as irmãs cajazeiras).

Como uma rolling stone

Havia uns “quebra-pau” às vezes, mas gente se entendia e tocávamos o barco. Minha querida tia Lígia, irmã do pai, também sempre foi braço direito e pessoa da extrema confiança da mãe.
Dona Moema sempre me deu apoio. Seja para acompanhar o Inter com a FICO para cima e cima baixo ou depois para acompanhar os Rolling Stones. A mãe gravava em fita VHS dos shows que passavam na TV, enquanto estava na estrada com os já “velhos Stones”.
A mãe ficou muito orgulhosa quando eu me formei jornalista em 1997. Ficou toda gabolas porque o filho foi um dos oradores da turma, o que aceitei fazer porque na verdade sabia que ela iria gostar. A mãe já tinha problemas de saúde e valeu a pena “pagar esse mico” para fazê-la feliz.
Eu me casei em 2015 e fomos morar no mesmo bloco 5 da Cidade Jardim e no mesmo sexto andar da mãe. Ali nasceu a Paola, que até os 2.6 anos passava todas as manhãs no apartamento da “Vovó Ema”.
Nós nos mudamos para pouco mais longe da mãe em 2012. Então, ela passou a contar com apoio incondicional das assessoras dela, Lourdes e Cristiane. Eu segui capitaneando todas as coisas da mãe, já que nesta altura ela já estava sem condições de cuidar da burocracia e da logística.
Nos últimos anos dona Moema teve perdas muito duras. Os cinco irmãos faleceram, a tia Bé (Lígia) também e a mãe foi ficando cada vez mais sozinha. Ela passava o tempo jogando cartas com as assessoras. A Paola também gostava de “cartear” com a vovó e de filar um sorvetinho que sempre esperava por ela.
A mãe teve muitos problemas de saúde, fumou muito além da conta. Mas como eu sempre disse, sobram as baratas, Keith Richards …. e a dona Moema. Ela era muito forte e tinha o “anjo da guarda” dela, a Dra. Elaine, que cuidava da mãe com dedicação de uma amiga, como acabou se tornando.
Às 4h22min da madrugada deste dia 09 de janeiro de 2019, eu vi a mãe dar seu último suspiro. Estava ao lado dela no quarto 427 do Hospital Mãe de Deus. Graças ao Dr. Rodrigo Boldo, pude ajudar a mãe a ter uma morte digna, sem dor e tranquila.

Obrigado, mãe!

Antes de ela partir, ouvimos juntos canções que ela gostava e que a gente escutava juntos na minha adolescência. Love of My Life (Queen), I Got a Friend (James Taylor), Orelhano (Dante Ramon Ledesma) e algumas do Júlio Iglesias, que “era um pão”, segundo Dona Moema.
Óbvio que estou triste, é muito doloroso ver a mãe ir. Mas também estou com sentimento de dever cumprido. Ela foi em paz, sem dor, com toda tranquilidade e dignidade ao meu lado.
Obrigado, mãe. A gente se vê. Mande beijo pro pai e pro povo todo ai em cima. Eu te amo.