Por Brian Hiatt (Rolling Stone Magazine)

É setembro de 1965. Charlie Watts se aproxima do microfone vestido com um paletó elegante e apresenta “um dos nossos números preferidos” à plateia de um teatro lotado em Dublin, na Irlanda. O baterista, na época com 24 anos, volta para seu instrumento modesto e os Rolling Stones mandam ver com “Little Red Rooster”, blues escrito por Willie Dixon e gravado em 1961 por Howlin’ Wolf; o riff duh-dunt-dah-duh de Keith Richards briga com os acordes tenazes da slide guitar de Brian Jones. Os mil adolescentes presentes recebem a interpretação dos Stones com berros agudos e altíssimos, mostrando como a música era fabulosa. Mais tarde, o público causaria uma confusão de verdade, invadindo o palco – algo que não passava de um acontecimento normal em qualquer turnê dos Stones.

Dez meses antes, a banda tinha conseguido colocar sua versão crua do blues de Chicago em 12 compassos no topo da parada de singles do Reino Unido (apesar de as rádios dos Estados Unidos se recusarem a tocar a canção, desconfiadas de que o galo atrevido da letra – rooster, em inglês – não era, na realidade, um pássaro). “Little Red Rooster” parece continuar sendo o único blues tradicional na história ao chegar ao primeiro lugar na Grã- Bretanha. “É uma loucura”, diz Mick Jagger cinco décadas depois, em um dia do fim de outubro em Manhattan, Nova York, refletindo sobre o feito, lembrando a gritaria das fãs quando tocavam a canção. Ele dá risada. “Sabe, é louco. Quer dizer, era uma coisa esquisita, porque a gente podia ter feito qualquer coisa naquela época e teria chegado ao número 1. Essa era a questão.” Ele usa uma camisa social branca com estampa azul bem sutil e calça preta superjusta, provavelmente do mesmo tamanho da calça xadrez que ele usou no palco há 51 anos. Parece ter a idade que tem, ao mesmo tempo que não parece coisa nenhuma.

Assim como em todas as primeiras gravações de blues dos Stones, Jagger diz que “Little Red Rooster” foi feita “por amor”. “Nós éramos garotos, e estávamos como que fazendo uma pregação. Os Beatles, em certa medida, faziam a mesma coisa – falavam da música que adoravam, que era sempre, tipo, soul.” A música dos Stones estava enraizada com mais firmeza nas influências deles, mas a banda foi além em sua homenagem. Em maio de 1965, eles praticamente forçaram os produtores do Shindig!, programa de TV norte-americano da rede ABC dedicado ao rock, a apresentar Howlin’ Wolf em pessoa. Os Stones permaneceram sentados aos pés do homem de 1,90 metro, 125 quilos e 55 anos enquanto ele vociferava “How Many More Years”, pulando sem sair do lugar e ganhando alguns improváveis berros de adolescentes. “Quando aqueles álbuns de blues saíram”, Jagger conta, “eram, de alguma maneira, para o público deles, música pop. Tocavam como tocariam Kendrick Lamar. Para mim, coloque de lado os gêneros e é só música pop.”

Agora os Stones retornam ao blues com Blue & Lonesome, uma coleção (quase) toda gravada ao vivo em estúdio com 12 músicas originalmente interpretadas por gente como Little Walter, Jimmy Reed e, mais uma vez, Howlin’ Wolf. É o primeiro álbum dos Stones que não tem nenhuma faixa assinada por Jagger-Richards; até The Rolling Stones (1964), o álbum de estreia, tinha um par de tentativas de composição. Gravar Blue & Lonesome foi fácil – demorou três dias inteiros. “Ele se fez sozinho”, diz Richards. Mas, como Ronnie Wood observa, foi também produto “da pesquisa de uma vida inteira, na verdade”.

Encontrar o momento e a forma certa de lançá-lo foi mais difícil. Jagger conta: “Eu perguntei para a gravadora se podia fazer com que aquilo fosse música pop, se dava para vender”. O álbum nasceu de sessões de gravação que supostamente seriam para um LP de faixas originais dos Stones, ainda em sua fase embrionária. Jagger ficou se perguntando se deveriam esperar até terminar o álbum de inéditas, quem sabe lançar os dois juntos.

A última vez que os Stones conseguiram finalizar um trabalho de estúdio com faixas novas foi em 2005, com A Bigger Bang. “A gravadora deve ter dito agora: ‘Bom, o álbum seguinte nunca vai sair. É melhor lançar este logo’”, Jagger diz, retorcendo aqueles indefectíveis lábios em um sorriso descomunal. “Eu não os culpo. Eu provavelmente teria feito o mesmo. ‘Agora que temos alguma coisa, melhor lançar logo’.”

O jeito como Mick Jagger e Keith Richards concordam a respeito de Blue & Lonesome é o que há de mais curioso na concepção do álbum. Os dois, no momento, passam pelo quarto ano de pacificação depois que alguns comentários cáusticos de Richards sobre Jagger em Vida, autobiografia do guitarrista, quase minaram a reunião de 50 anos da banda. Eles estão animados de verdade em reviver as raízes dos Stones. De fora, o projeto pode parecer mais coisa de Richards, o tipo de jogada retrô que seria mais do gosto dele, enquanto o Jagger da imaginação dos fãs estaria ocupado em forçar os Stones a trabalhar, por exemplo, com artistas como o Chainsmokers. O vocalista diz que o estereótipo sobre ele não está totalmente errado, mas que, neste caso, “todos estávamos igualmente a fim. Eu estava tão dentro do projeto quanto todos os outros”.

“Este é o melhor álbum que Mick já fez”, afirma Richards, sempre fã da gaita emotiva que Jagger toca e que floresce no novo trabalho. “Foi maravilhoso ver o cara fazendo com prazer o que realmente consegue fazer melhor do que qualquer outra pessoa.” Ele faz uma pausa. “Além do mais, a banda [os Stones] até que não é assim tão ruim.”